A vida é feita de ciclos. Tudo o que nasce inevitavelmente morrerá. Assim é com as pessoas, com as paixões e com as amizades, com os animais e com as plantas, com as montanhas e com os mares, até com as estrelas e com as galáxias. Tudo, mas mesmo tudo, tem um fim. Aceitar finais não é fácil para um Escorpião, especialmente se houver afectos e emoções envolvidos. E no entanto é essa a sua maior lição, a aceitação da morte. Porque um Escorpião sabe melhor que ninguém que uma morte é só o início de um nascimento. Deixar morrer algo que já se esgotou é simplesmente abrir espaço para alguma coisa nova e cheia de potencial. Mas aceitar a morte não é simplesmente partir para outra, deixar para trás o que me é difícil e fugir para a frente. A morte não é um processo tranquilo. Envolve crise, drama e catarse. Luto. Ir ao fundo, ao lugar mais escuro do poço, onde está o lodo, e depois voltar. A morte é conhecer o avesso de nós mesmos, aquele lado escondido, que se alimenta da sombra, da obscuridade e do medo, e trazer esse lado assustador e todos os seus monstros medonhos para a Luz. E é aqui que o ciclo se fecha, para dar início a um novo ciclo, a uma nova realidade. Uma realidade mais luminosa, mais cheia de vida, mais limpa e mais pura. Uma realidade que antes me parecia um sonho impossível…! (17 de Julho de 2012)
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(Tema proposto no âmbito do curso Autobiografia Criativa. Escolhi o gospel Amazing Grace. Sugiro a leitura do texto acompanhada pela música no vídeo abaixo.) Amor. Todos podemos ser amados. Pureza. Amor incondicional. Paz. Esperança, mesmo no lugar mais escuro. A dualidade - o lugar escuro que é o porão de um navio negreiro, mas também o lugar escuro onde está o capitão desse navio. O medo que nos mantém presos e que nos impede ver a Luz. Compaixão, compreender o medo do outro. O medo separa-nos da luz, do Amor que todos procuramos. É fácil… esse Amor está tão próximo. Enquanto houver uma luzinha, por muito ténue que seja, há a possibilidade de salvação, de Amor, de colo, de consciência. O som que salva, o Amor que salva. Salvação… No início era um momento com o pai. Tanto quanto sabia, a vida podia ser assim para sempre. Eu e o pai a ouvir a música dele, que agora é minha também, no chão da sala, a traduzirmos as letras do inglês. Mais tarde era a memória desse momento. Percebi então o quanto gosto de gospel e de espirituais negros. Gosto de músicas que vêm do coração, músicas que ninguém repara, que estão dentro dos dias e fora do tempo. E hoje, depois de tantos anos a conviver com esta música, depois de a ter quase esquecido, ela ganha outro significado. À medida que eu vou encontrando novos espaços dentro de mim, esta música vai preenchendo esses espaços e troca sentimentos, emoções e significados com essas novas partes de mim. Talvez porque ela seja tão profunda quanto pode ser a vida e vai ressoando comigo na medida da minha própria profundidade. "Eu estava perdido e agora encontrei-me Estava cego e agora vejo." (Tema proposto no âmbito do curso Autobiografia Criativa) A primeira coisa em que pensei quando li o tema foi em Kali, a deusa hindu. Mas, aparentemente, Kali não tem nada a ver com a maternidade. Kali é a deusa da morte e da destruição, ela mata tudo o que é mau, ruim e pernicioso para que haja espaço para o novo, o fresco e o bom. Ela é, se quisermos, um “mal necessário”. Lembro-me que quando a conheci, já não me lembro bem como, me identifiquei imediatamente com Kali. Gostei da deusa forte e poderosa que exerce o seu poder de forma radical e assertiva. Gostei da ideia da destruição que não é gratuita e cega, mas que tem o propósito de abrir espaço, de limpar. Acho que a palavra certa é “purgar”. Mas o que é que Kali tem a ver com a maternidade? A maternidade de Kali é ao contrário, inversa à outra maternidade, ela não tem o poder da criação, o seu poder é o da destruição. Kali é toda força e não pede licença. Logo a seguir identifico a minha mãe, sempre lhe reconheci uma grande força. Mas não é a minha mãe que é Kali. A mãe Kali sou eu. E agora ocorre-me se, com esta identificação, não estou eu também a destruir esse outro poder em mim, se não estou a eliminar as questões da maternidade, da gestação e da vivência de um feminino mais produtivo, do feminino da abundância e da fertilidade. Mas será que não posso viver os dois papéis como mulher? Ser uma força destruidora e ser uma força criadora, alternando entre estes dois estados, num constante processo de auto-renovação e auto-reinvenção. Talvez seja esta a minha forma de dar à luz. A Morte e a Imperatriz, no Tarot. O Escorpião e o Touro, na Astrologia. E percebo que estou a dar à luz de mim própria, morrendo e renascendo, ciclicamente. 24 de Maio de 2015 O medo separa-me dos outros. Quando cedo ao medo, sinto que preciso de me proteger, de me defender ou, por vezes, de atacar. Quando cedo ao medo, fecho todas as partes que não gosto em mim e acredito que elas ficam presas num armário, que ninguém as vai ver e eu vou poder mostrar só as outras, as que admiro e aprendi a exibir - mas metade de mim ficou fechada. Quando cedo ao medo, sou uma versão menor de mim mesma. No entanto, o medo é necessário, ele mantém-nos vivos. Sem medo nós atravessaríamos uma estrada cheia de carros acreditando que nada nos aconteceria, por exemplo. O medo é um estado de alerta que dispara perante uma ameaça e nos prepara para a sobrevivência. Só que a maior parte das ameaças que percepcionamos não são reais, são apenas memórias das vezes que, enquanto bebés, sentimos que a mãe nos abandonou ou se tornou, ela própria, uma ameaça. Isto é inevitável, as mães são pessoas, têm as suas próprias necessidades e não conseguem ser colo o tempo todo, mas a natureza do bebé é receber e, quando isto não acontece, ele desenvolve estratégias para chamar a atenção da mãe e para a manter por perto. O bebé rapidamente aprende quais são os comportamentos que lhe garantem a sobrevivência e quais os que o põem em risco, quais são as personagens que ele pode assumir e quais as que precisa de esconder. Quando crescemos continuamos a querer receber e sentimo-nos ameaçados quando isso não acontece. Mas quando crescemos somos seres já completamente desenvolvidos, autónomos e independentes e o nosso papel deixa de ser o de “passivo receptor de cuidado” para passar a ser o de “activo cuidador de si próprio”. Entretanto, esquecemo-nos daquela gente toda que escondemos no armário… Existem no dia-a-dia ameaças reais à minha integridade física e, desde que seja mesmo possível fazer alguma coisa para me proteger, o medo é-me útil. Mas, hoje em dia, a maior parte das vezes em que eu sinto medo, a ameaça é apenas uma memória de abandono ou rejeição, uma história que já não existe. Então, o desafio é aprender a ir para lá deste medo, que me deixa sozinha, isolada e separada, e saber seguir em frente, descobrindo novas paisagens dentro de mim. O desafio é ultrapassar os papéis limitados que aprendi a viver e assumir todos os monstros que escondi no armário. Quando estendo a minha confiança a novos territórios, a zonas de insegurança e até de pânico, quando me permito caminhar através do medo, percebo que afinal os demónios que eu me esforcei durante tanto tempo por esconder e negar são os meus melhores amigos. Quando não cedo ao medo e me atrevo a passar para o outro lado dele, aceito todas as minhas personagens, as lindas e as feias, as más e as boas, as fortes e as fracas. Quando ultrapasso o medo, torno-me mais completa e transparente e a separação, o abandono e a rejeição dos outros deixam de fazer sentido porque eu já não sou separada de mim própria. |
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