Já vamos com mais de uma semana do novo ano ano e eu tenho muito presente a consciência de uma sensação que trouxe ainda de 2023 — a gravidade da existência. Consigo entender esta sensação como a presença de Saturno em Peixes. O signo de Peixes é simbolizado por dois peixes a nadar em direcções opostas. Os dois estão unidos por um cordão. Peixes tanto pode perder-se nas alturas de expectativas impossíveis e fantasias encantadoras, de si, das outras pessoas e da vida em geral, como pode desistir da busca de uma perfeição inalcançável e ficar incapaz de lidar com as solicitações da vida mundana. Saturno puxa-nos para baixo, obriga-nos a ficar aqui mesmo quando nos queremos desconectar-nos do mundo nas alturas da fantasia. Mas podemos sentir que este puxão nos afunda no sofrimento inexorável da condição humana. Nesta última semana senti muito o peso de testemunhar tanta dificuldade, opressão e dor. Não necessariamente de uma forma pessoal, mas também. Saturno também puxa para baixo os nossos sonhos, as nossas idealizações e as nossas utopias, dá-lhes estrutura e solidez para que possam realizar-se e confronta-as com a realidade. Isto podem ser boas notícias, mas não necessariamente. Perceber que afinal o que idealizámos se despedaça na realidade pode ser frustrante e até avassalador. A vida tem um peso inevitável. A força da gravidade não é só física. É também espiritual. Precisamos encontrar o cordão que une os dois Peixes para não nos perdermos numa quimera intangível nem nos abandonarmos às dores da existência. Viver, crescer e amadurecer é conhecer o sofrimento, a injustiça e a impotência implícitos à nossa existência. Viver, crescer e amadurecer é conhecer tudo isto e ainda assim não desistir de amar as pessoas e de acreditar que a vida é uma dádiva e que valemos o esforço de lutarmos pela utopia de um mundo melhor. Saturno entrou em Peixes a 7 de Março do ano passado. Avançou até aos 7° e, a 17 de Junho, ficou retrógrado e voltou até ao início do signo. Lembra-te de onde é que estavas e com o que sonhavas em Março de 2023. Que sonhos sobreviveram ao encontro com as dificuldades? Que idealizações ficaram fortalecidas pela consciência do sofrimento? Não desistas. Seguimos juntes.
0 Comentários
Contexto Esta semana divulguei um Workshop que vou realizar proximamente dedicado a mulheres cis, trans e pessoas designadas mulheres à nascença. O simples acto de ser inclusiva e de usar linguagem apropriada trouxe-me algum ódiozinho gratuito e despropositado. Ser quem eu sou, alinhar as minhas acções às minhas palavras e aos meus ideais, foi chocante para algumas pessoas. Hoje, cansada de responder a cada argumento particularmente, decidi escrever um texto com uma resposta mais abrangente. Feminino O que aquelas mulheres nos comentários do meu post defendem não é, como elas dizem, o “sagrado feminino”. Se a sua real preocupação fosse o Sagrado Feminino, estas mulheres saberiam reconhecê-lo e honrá-lo em cada pessoa, independentemente de essa pessoa ser mulher ou homem, cis ou trans, gay ou hétero, branca ou racializada, com ou sem deficiência. O feminino não é nem nunca foi exclusivo das mulheres. É um arquétipo, uma energia, uma abstracção que é manifestada por qualquer pessoa, de formas múltiplas e diversas. Entender o feminino como uma característica exclusiva das mulheres é limitador, opressor e, acima de tudo, é não saber do que se fala. Ao invocarem a natureza como argumento para esta lógica binária e redutora, apenas demonstram o seu desprezo pela ciência e pela própria natureza, que é fascinantemente complexa e diversa. Feminismo O feminismo, que também está sempre presente nos seus discursos, advoga direitos iguais para mulheres e homens e proclama que a liberdade de umas tem que ser a liberdade de todas. Apesar de, no início do movimento, a interseccionalidade ter sido desconsiderada e até rejeitada, esta noção tem vindo a ganhar cada vez mais espaço dentro do movimento feminista e reflecte a diversidade que, apesar do longo caminho que ainda temos pela frente, está cada vez mais visível e mais representada na vida pública. Mas não é esta a bandeira destas mulheres. Femismo Aquilo que eu vejo ser defendido naqueles comentários, e que vejo no mundo fora da internet em muitos dos grupos de mulheres da “espiritualidadezinha new age”, não é o feminismo, mas uma espécie de femismo, a crença de que as mulheres são superiores aos homens e que defende um regime matriarcal. Ou seja, um espelho do machismo: apenas mais uma forma de oprimir minorias. Aqui, como no patriarcado existe assimetria e exclusão, porque ficam de fora todas as pessoas não-binárias. Aqui, como no patriarcado, faltam o equilíbrio, a equidade, a diversidade e a liberdade. Raiva Quando estas mulheres falam da opressão do patriarcado, nunca falam de opressão colectiva, mas sim da sua opressão individual. Porque a sua luta não é nem nunca foi uma luta de todas. Não é nem nunca foi uma luta pela liberdade e pelos direitos humanos. É tão simplesmente a manifestação de uma raiva alimentada por uma noção de abuso ou injustiça pessoal. Acredito que, enquanto emoção, esta raiva é válida, mas, ao ser manifestada sem uma consciência social e colectiva, torna-se apenas uma réplica da opressão de que elas próprias se dizem vítimas — a vítima torna-se o abusador. Privilégio A liberdade que almejam não é um valor colectivo, mas apenas a ambição egoísta de um privilégio pessoal. Querem o poder que invejam nos homens, mantendo o seu privilégio branco e heteronormativo, mas não a verdadeira liberdade, que emancipa todas as pessoas e promove a sua autonomia e autodeterminação. Esta ideia de privilégio branco e heteronormativo perpassa todo discurso destas mulheres e é evidente nos seus grupos, onde raramente há espaço para a interseccionalidade. Neste contexto exclusivo e segregador, a vitimização passa a ser usada como arma de opressão de outras minorias, como se fosse necessário eliminar todas as pessoas que com elas “competem” pelo papel de vítima. Medo Gloria Steinem disse numa entrevista que “a polarização de papéis de género era um indicador de violência em sociedades tribais”. Acredito que esta atitude de vitimização vem de um lugar de medo e de escassez, um lugar onde é necessário competir pelo poder e por um lugar no topo da hierarquia social, porque não se acredita que haja espaço suficiente para todas as pessoas. A violência passiva implícita na manipulação da condição de vítima é uma estratégia típica das mulheres brancas (das quais eu não me excluo) e conhecida nos meios racializados como “white woman tears”. Diversidade Todos estes argumentos, vitimização, libertação da mulher do patriarcardo, feminismo, a natureza (ou biologia) e o “sagrado feminino”, são usados de forma perversa e esvaziados do seu verdadeiro sentido. Estas mulheres usam-nos levianamente e com um entendimento binário e, por isso, limitado da vida. O dois é apenas um conceito que vem depois da unidade e antes da multiplicidade. A vida e as pessoas não se esgotam nessa superficialidade. Pelo contrário, a vida e as pessoas são muito mais maravilhosamente complexas e diversas. Nota: Comentários que promovam a discriminação e opressão de minorias vulneráveis serão apagados. Não tenho mais energia para gerir abusos.
Lua Nova: 11˚ Carneiro 31' Lisboa: 1.Abr.22, 7:24 Brasília: 1.Fev.22, 3:24 Percepciono o mundo através de sensações, emoções e sentimentos. O que significa que sou hipersensível, tanto a nível emocional como sensorial. (Para simplificar, e porque dentro de mim é difícil separá-los, vou usar a palavra sensações e sentir para falar sobre estas ideias durante o resto do texto). Sinto demasiado. Sinto intensa e profundamente. Mas na maioria das vezes não tenho consciência do que estou a sentir. Para me tornar consciente de algumas das minhas sensações, tenho de parar e ficar um pouco com a sensação que está presente. Não é fácil. Às vezes, as sensações são demasiado desconfortáveis e não as quero ver cara a cara. Quero afastar-me. Mas já sei que sentar-me com elas é a única saída, e, se e quando me sentir suficientemente segura, então abro a guarda e deixo sair essas sensações para poder olhar para elas e conhecê-las. Digo olhar para elas, porque, normalmente, as sensações vêm com imagens. Não imagens reais, cheias de detalhes, contornos e definição. Mais como imagens subjectivas, oníricas, carregadas de simbolismo e significado. Uma ideia pré-verbal que de alguma maneira serve como uma forma, ou uma estrutura, através da qual as sensações podem tornar-se mais distintas e visíveis para mim. Por vezes as imagens são memórias ou histórias que na minha cabeça são descritivas desse sentimento, emoção ou sensação. É por isso que, por vezes, tenho de contar uma história para conseguir transmitir o meu ponto de vista. Outras vezes, se tiveres sorte, eu já sintetizei a história numa fórmula verbal que é mais directa e de fácil digestão para as outras pessoas. Este é o último passo, verbalizar a imagem. Isto normalmente leva tempo. Muito tempo, dependendo se o contexto é novo ou inesperado para mim. Às vezes não digo nada. Não porque não se passa nada dentro de mim. Não porque não esteja consciente do que se passa à minha volta (embora de vez em quando isto também seja verdade, mas este assunto fica para outra altura). Mas porque estou a processar todos os estímulos nesse modo sensitivo inicial, e vou levar algum tempo, de preferência num ambiente seguro, a processar a minha resposta em palavras compreensíveis que eu e as outras pessoas possamos entender. Os meus começos são neste modo sensível, instintivo, muito cru e quase animal, onde estou muito atenta a tudo e a processar todos os inputs a um nível muito profundo e inconsciente. A energia direccionada para este processo é muita e, enquanto isto está a acontecer, não há ninguém no leme. A tripulação está toda reunida à volta das informações que estou a receber e o navio ficou em piloto automático. Acredito que todos os nossos começos têm o mesmo padrão. Quem somos e como reagimos no início de qualquer processo é semelhante a quem éramos e como reagíamos no início da nossa vida. (Explico isto aqui.) É por isso que é sempre tão difícil definir-me quando me encontro num novo contexto. Quando estou nesse modo sensível dos inícios, não sei quem sou. A definição só acontece em relação, e, enquanto estou a sondar, a sentir e a processar a um nível inconsciente cada estímulo que recebo do mundo exterior numa determinada situação, ainda não consigo saber quem sou nessa situação. No meu mapa natal, o asteróide Quíron, o centauro estudioso e curador, está em Carneiro, signo da definição e da assertividade, na décima segunda casa, o lugar da inconsciência e da perda de identidade. Este asteróide simboliza o sofrimento e as feridas que nunca fecham. Mas é também acerca de rendição, aceitar essa ferida e ensinar os outros sobre esse tema. Definir-me é uma espada de dois gumes. Ser vista significa que estou a abrir a possibilidade de rejeição. Não ser vista significa que não vou conseguir satisfazer as minhas necessidades. O meu Quíron natal está muito próximo desta última Lua Nova em Carneiro, que aconteceu em conjunção com o mesmo asteróide em trânsito. Isto significa que estou a passar pelo meu retorno de Quíron, aquela altura na vida em que o centauro regressa à sua posição natal e nos obriga a desfazer as malas e lidar com toda a bagagem acumulada até ao momento presente. Na verdade, estou já no final deste trânsito, e posso dizer-te que tem sido uma viagem bonita, muito profunda e muito intensa. O centro desta viagem tem sido a minha auto-descoberta autista. Compreender-me através desta lente que tem todas as cores do arco-íris e encontrar o meu próprio contorno nesta dimensão escondida e tantas vezes mal compreendida da neurodiversidade é o ensinamento que Quíron tinha para mim este tempo todo. Há dois anos, não teria conseguido explicar-te o meu padrão de processamento como descrevi acima pela simples razão de que não me era conhecido com este detalhe e profundidade. Mas esta descoberta não é sem dor. Nomear-me, ser capaz de dizer "sou autista", é por vezes recebido com incompreensão ou mesmo confronto. A tal espada de dois gumes. A questão é que, ao conhecer mais dimensões de mim própria, não as posso desver, não posso voltar àquela pessoa indefinida, bem comportada, maleável e pronta a adaptar-se ao mundo exterior. À medida que conquisto cada vez mais paisagens interiores, torna-se mais difícil corresponder às expectativas das outras pessoas e às normas sociais. Nesta lunação, com Quíron conjunto à lua nova em Carneiro, conhece quem és, define-te e diz o teu nome. Eu sou a Bárbara. Astróloga. Autista. Opinativa. Quem és tu? Eu não estou bem.
Estes dois últimos anos têm sido mental e emocionalmente muito duros. É verdade que a pandemia me trouxe coisas boas. Coisas muito boas mesmo. Passei todo o meu trabalho para online e isso devolveu-me a minha casa, que agora é só para mim e para os meus, e tempo, que deixei de precisar para preparar a sala de aula ou para arrumar o consultório. Conheci outros astrólogos, com quem tenho aprendido muito e com quem criei laços que ultrapassam a astrologia e transbordam para a amizade e para o apoio mútuo. Foi também durante a pandemia que me reconheci como autista. Foi um alívio entender a minha vida sob a perspectiva da neurodivergência. Encontrei também uma comunidade incrível que me recebeu de braços abertos e que me ensinou tanto sobre mim mesma. Mas tem sido intenso. E a angústia e a dúvida colectivas não me passam ao lado e têm também contornos pessoais. São já dois anos de incertezas, de desafios, de procura de soluções, de novas perguntas, de processos contínuos e intensos. Por um lado, estou em construção e preciso de me refazer a nível profissional. Por outro, estou em desconstrução porque já não caibo no papel que desenhei para mim própria. A minha verdade é agora mais larga e eu preciso de ocupar novos espaços que até há pouco tempo eu não sabia serem meus ou sequer conhecia. Eu não estou bem. Estou cansada e a gerir demasiadas emoções, processos internos e realidades externas que me ultrapassam. Nos últimos dias, assistimos ao início de uma guerra que pode mudar radicalmente os contornos da Europa e fazer desequilibrar a balança de poder no mundo. E eu tenho de escrever sobre a Lua Nova. Só que não consigo. A minha cabeça está um nó e a ansiedade em alta. O foco não está onde eu queria que estivesse e as emoções presentes são gigantes e pedem toda a atenção disponível. Com demasiada água no meu mapa, eu não consigo fazer um bypass ao que sinto, pelo contrário. A minha sensibilidade é a minha realidade. Para melhor e para pior. Nos últimos anos tenho falado muito sobre autocuidado e aceitação e agora preciso de honrar as minhas próprias palavras e respeitar o lugar onde estou. Aceitar que me sinto cansada e confusa e parar de fazer o que não me faz sentido, mas que acho que preciso de fazer porque é o que os outros fazem. Entregar-me. Assim, não posso garantir que no próximo mês voltarei a escrever sobre a Lua Nova. Mas posso combinar contigo que, sempre que eu escrever sobre o que quer seja, o farei a partir de um lugar ainda mais profundo e cada vez mais verdadeiro. (Às vezes parece que a minha vida se resume a isto: por não saber quem sou, na tentativa de ser quem não sou, vou descobrindo quem sou por exclusão de partes.) (Quase a chegar à minha segunda Lua Nova progredida .)
Estou em mudança. Como se estivesse a mudar de casa, tenho partes de mim guardadas em caixas espalhadas por todo o lado. Algumas destas caixas têm coisas antigas, coisas que já não me servem, que já não me são úteis e que esgotaram o seu propósito. Outras caixas têm coisas novas que vão habitar o meu espaço novo e que eu estou ansiosa por estrear. Algumas que ainda nem sei bem como me vão servir, mas que me agradam, que me despertam a curiosidade e que me abrem horizontes. E depois ainda há as caixas que têm coisas que são tão minhas que já não me reconheço sem elas. Umas estão comigo desde sempre, outras foram conquistadas com esforço, são frutos do meu trabalho e testemunhos de vitórias pessoais. E no meio das caixas estou eu. No meio das caixas sou eu. Em mudança. |
Apoiar o meu trabalho:
Categorias
Tudo
Arquivo
Maio 2024
|