A Astrologia dos Contos de Fadas
A origem dos contos de fadas perde-se nos tempos. Provavelmente vêm da mesma fonte que os mitos, mas, enquanto os mitos se foram tornando mais complexos para responderem a uma sociedade intelectualmente mais sofisticada, os contos seguiram outra direcção e aproximaram-se das pessoas mais simples, adaptando a linguagem e as situações a um imaginário popular e informal. Na verdade, os contos desempenham a mesma função dos mitos, ajudando-nos a dar sentido e significado à vida, só que os contos fazem-no apelando directamente ao nosso inconsciente, sem por isso precisarem de grandes elaborações mentais. Os contos de fadas, de uma forma emocional mas também prática, apresentam-nos exemplos de vivências suficientemente simples para serem entendidas tanto pelas crianças como pelos adultos e, ao mesmo tempo, estão cheios de elementos mágicos e fantásticos, suficientemente surpreendentes para nos prenderem a atenção. Ao identificarmo-nos com as personagens e com os seus desafios, identificamo-nos também com as suas qualidades e dons e encontramos a chave para a resolução dos nossos próprios conflitos. ![]() A Cigarra e a Formiga
A ligação dos contos de fadas ao simbolismo da Astrologia é inevitável, a partir do momento em que reconhecemos nos contos os arquétipos universais da linguagem dos astros. Impossível não encontrar na fábula de Esopo “A Cigarra e a Formiga” (mais tarde reescrita por La Fontaine) as energias de Leão, que procura o prazer e a diversão sem pensar na consequência dos seus actos, e de Virgem, metódica, trabalhadora e organizada, mas sem a espontaneidade de quem sabe aproveitar os bons momentos da vida. Podemos até ir mais longe e imaginar mesmo um Júpiter em Leão para a Cigarra, muita jovialidade e auto-confiança, e um Saturno em Virgem para a Formiga, a responsabilidade do trabalho e a gestão metódica. A versão tradicional desta fábula favorece a disciplina em detrimento da diversão e avisa-nos para o perigo de sermos demasiado optimistas e de não trabalharmos o suficiente. Mas estas histórias, que pertencem à cultura popular e não são propriedade de ninguém, vão tomando as cores dos tempos e existem actualizações da fábula nas quais os dotes de entertainer da cigarra acabam por lhe render mais do que o esforço dedicado da formiga. Pessoas com mais energia de Virgem no seu mapa natal provavelmente preferem a primeira versão, aquela que valida a sua atitude e forma de funcionar, mas quem tiver o signo de Leão mais evidente vai certamente identificar-se com a Cigarra e encontrar nas versões modernas uma conclusão mais a seu gosto. Talvez o final mais próximo da verdadeira integração destes arquétipos esteja na versão animada de Walt Disney, “The Grasshopper and the Ants” de 1934, onde no fim, com a chegada do Inverno, a Formiga partilha os seus recursos acumulados durante o Verão com a Cigarra, a troco da sua animação musical. ![]() A Branca de Neve
Muitos contos têm como protagonistas princesas e ensinam-nos a lidar com a nossa energia de Vénus, por isso são tão populares entre as meninas das mais variadas idades. Um dos mais conhecidos, “A Branca de Neve”, tem como temática a dinâmica entre Vénus e Lua. A Rainha Má vive estes dois planetas no seu aspecto sombra. Por um lado, é uma mulher vaidosa e arrogante, que procura constantemente a validação do seu espelho mágico (ou dos outros?), por outro, uma mãe-feiticeira que prefere aniquilar a filha a vê-la crescer e a reconhecê-la como mulher. Esta descrição sugere-me uma Vénus em Leão e uma Lua em Escorpião, com os dois planetas em quadratura, a dificultar a vivência equilibrada destes papéis. Já na Branca de Neve imagino este par em oposição, talvez a Lua em Virgem e a Vénus em Peixes, os dois astros ainda em conflito, mas a permitir mais facilmente o processo de integração que a mãe (madrasta) não conseguiu concretizar. Ao ficar abandonada na floresta — símbolo dos cantos escuros da nossa psique, onde se escondem os medos, e metáfora para a casa 8 do nosso mapa natal — a Branca de Neve inicia um movimento de harmonização das energias dos dois planetas. Arrumando e limpando a pequena casa dos sete anões, ela aprende a ser a mãe dedicada, prestável e humilde que nunca conheceu e integra a sua Lua em Virgem. Depois, a própria mãe, disfarçada de vendedora, vem confrontá-la com os desafios de uma Vénus sem propósito nem foco, fascinada, dispersa e funcionando apenas por si e para si mesma. Primeiro, a Branca de Neve deixa-se seduzir por uma fita que afinal é demasiado apertada, a seguir por um pente que está envenenado e, finalmente, por uma maçã enfeitiçada (tudo símbolos de Vénus). Apesar da bondade do seu coração, a jovem ainda não tem maturidade suficiente e falha os testes às intenções da sua Vénus. Ela cai então num sono profundo, que simboliza o período de latência necessária para, de uma forma mais sincera e genuína, pôr este arquétipo ao serviço do seu Sol, o Príncipe, completando finalmente a integração da sua feminilidade. Independentemente dos signos onde tenhamos estes planetas, o conto mostra-nos como pode ser perigoso viver estas energias inconscientemente, pois só quando expressas em função da nossa essência elas se podem manifestar na sua mais pura forma. ![]() A Sereiazinha
No conto “A Sereiazinha”, de Hans Christian Andersen, a ligação ao universo de Peixes e Neptuno é óbvia e inequívoca. Começa desde logo com o título e a protagonista, a Sereiazinha. A mais nova de seis irmãs, ela é a mais calada e pensativa e sonha com o mundo acima das águas do mar — toda a natureza contemplativa de Peixes implícita na descrição da personagem central do conto. Durante a narrativa, a Sereiazinha salva um Príncipe de morrer afogado e apaixona-se por ele. Como ele não sabe sequer da sua existência, ela decide dar a sua linda voz a uma Bruxa em troca de duas pernas para viver no seu mundo, em terra firme. Quando finalmente o encontra, a sua mudez não lhe permite transmitir o tamanho do seu sentimento nem todos os sacrifícios por que passou para estar com ele, restando-lhe a dança para se expressar, mesmo com a dor que sente cada vez que pousa um pé no chão, “como se andasse sobre facas afiadas”. O Príncipe nunca chega a corresponder o amor da Sereiazinha e o fim da fantasia acontece quando ele reencontra a Princesa por quem se tinha apaixonado anos antes e que nunca mais tinha esquecido. Como a Bruxa lhe tinha anunciado, o frágil coração da pequena sereia parte-se nesse momento, mas é-lhe dada ainda uma última hipótese para se salvar. Matando o Príncipe com uma faca no seu coração, ela regressaria à sua primitiva forma de sereia e poderia voltar para junto das suas irmãs no fundo do mar. Mais uma vez ela escolhe o sacrifício e abdica desta oportunidade, salvando o eterno amado. Ao mergulhar no mar, ela funde-se com as outras “filhas do ar”, que esperam receber a sua alma imortal através de actos bondosos para com os humanos. o longo deste conto, tudo nos remete ao universo de Peixes, cada palavra, cada imagem, cada metáfora. Desde o ambiente inicial da história, o fundo do mar, passando pela metamorfose, pelo sofrimento e pelo sacrifício da Pequena Sereia, e até a sua morte, quando ela se dilui na espuma das ondas. Também o amor não correspondido da Pequena Sereia pelo seu Príncipe, nos remete a uma Vénus em Peixes ou em aspecto a Neptuno, o amor silencioso e devocional, o amor fusional, o amor como sacrifício e salvação, mas também a ilusão do amor e a idealização do objecto amado. Este padrão de amores inalcançáveis e nunca concretizados é familiar a Hans Christian Andersen, autor do conto. Com a Vénus em Peixes e em trígono a Neptuno, também ele alimentou durante toda a sua vida paixões não correspondidas nem concretizadas. De alguma forma, nesta história ele relata a sua própria vivência de uma Vénus em Peixes, sendo o final do conto a sublimação última desta energia. ![]() João de Ferro Uma história que nos fala, não de Vénus, mas sobre a conciliação de um Marte indomado é “João de Ferro”. Um gigante selvagem, que vivia dentro de um poço numa floresta vizinha a um castelo, devorava todos os que do seu poço se aproximassem. Aqui encontramos os impulsos de um Marte violento e insubmisso defendendo de forma instintiva o seu lado emocional e vulnerável (Marte em Carneiro na casa 8?). Eventualmente o gigante, enorme, com longos cabelos e barbas e de uma cor avermelhada como o ferro enferrujado (vermelho e ferro são símbolos de Marte), é capturado e posto dentro de uma jaula no meio do pátio do castelo. Já não é possível esconder esta energia, que agora está à vista de todos, mas bloqueada, aparentemente controlada. O pequeno Príncipe, que brincava com a sua bola por perto deixa o brinquedo escapar para dentro da jaula. Em troca da sua bola, o rapaz aceita libertar o gigante, mas decide fugir com ele por medo do castigo que teria de enfrentar, ficando assim refém de João de Ferro, ou seja, da energia de Marte. Depois de vários testes em que o rapaz prova ter bom coração, apesar de ser um pouco negligente com o poço que João lhe pedira para guardar (a água, como sabemos, é metáfora para os sentimentos e afectos), o gigante liberta-o e põe-se à sua disposição, ensinando-nos que, desde que tenhamos boas intenções, poderemos pôr o Marte ao nosso serviço em vez de ficarmos para sempre seus prisioneiros. Quando, anos mais tarde, o Príncipe precisa da ajuda de João, para defender um reino de uma guerra na qual se envolvera, o gigante dá-lhe todos os recursos que necessita, ajudando-o a ganhar a guerra e ainda, como consequência, a mão da princesa desse reino. No fim da história João de Ferro reaparece como um rei, que tinha sido enfeitiçado, mas foi libertado pela pureza do coração do Príncipe. Este conto mostra-nos que a melhor forma de viver o arquétipo de Marte é, primeiro, trazê-lo à consciência, e depois garantir que as nossas intenções são dignas, usando-o para servir os nossos sentimentos mais puros. Como se percebe pelos exemplos acima, os contos de fadas espelham de forma profunda e precisa as nossas dinâmicas internas e, por consequência, são uma projecção clara e evidente do nosso mapa natal, fornecendo simultaneamente pistas claras para a integração dessas energias. Foi com este princípio em mente que idealizei o workshop “Era Uma Vez… O Meu Conto Pessoal”. Ao construir o seu próprio conto, os participantes permitem-se olhar para as princesas e bruxas, gigantes e sereias, cigarras e patinhos dentro de si mesmos e acabam por encontrar também a resposta para as suas próprias questões. Exemplo disso são os contos escritos pelos participantes da primeira edição. A criatividade abundou, a fantasia encheu o papel e os contos surgiram lindíssimos e fiéis ao imaginário de cada um. Aqui podem encontrar alguns deles: http://www.barbarabonvalot.com/workshop-era-uma-vez.html Publicado no Jornal da ASPAS, edição Abril a Junho 2013
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