Bárbara Bonvalot - Astrologia Psicológica
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A Sereiazinha: Peixes

PictureA Sereiazinha, por Sulamith Wülfing (1953)

O conto que narra a história de uma pequena sereia e do seu amor não correspondido por um príncipe é tão encantador e delicado quanto o signo de Peixes. Já tinha escrito um pouco sobre este conto no artigo A Astrologia dos Contos de Fadas, mas identifico-o muito com este signo e gosto tanto desta narrativa que quis dedicar-lhe um artigo inteiro. Escrito por Hans Christian Andersen e publicado em 1837, o conto A Sereiazinha é muito mais do que uma simples conto de fadas para pré-adolescentes, ele fala-nos da ilusão, do sacrifício, mas também do amor que extravasa as fronteiras do físico e do romântico e se torna sublime e universal. Como no conto do Patinho Feio, Andersen sabia do que falava. Com a sua Vénus natal em Peixes a fazer um trígono apertado a Neptuno e o regente do Ascendente na casa 12, durante a sua vida ele alimentou vários amores impossíveis e nunca chegou a concretizar nenhuma dessas relações.

Aqui aproveito para fazer um aviso à navegação: neste artigo vou referir-me sempre ao original de Andersen – a versão da Disney traz consigo uma simbologia bem diferente, mais pesada e mais terrena e por isso não cabe neste artigo.

O início da história passa-se no fundo do mar, onde a água é a mais transparente e mais azul, e tudo à volta é de uma subtil delicadeza, inigualável por qualquer coisa que possa existir à superfície. Peixes é um signo de água, o elemento que simboliza o sentimento e as emoções, é o mais leve e gracioso de todos os signos e também o mais etéreo e mais distante da matéria e de tudo o que é terreno, o menos real e menos concreto. A suave beleza do ambiente submarino estende-se à Sereiazinha, a mais nova de seis irmãs, que é descrita como “uma criança estranha, calada e pensativa”, características bem piscianas. Pessoas com muita energia de Peixes ou com a casa 12 acentuada no seu mapa natal têm facilidade em abstrair-se da realidade e sonhar acordadas, mas também de se ligarem a mundos imateriais e intangíveis, desconhecidos da maioria das pessoas. A pequena sereia sonha com um mundo para além do seu, um mundo que só conhece através dos fantásticos relatos da avó e, mais tarde, também das irmãs.

Quando a Sereiazinha completa os quinze  anos e lhe é permitido nadar até onde o mar acaba e a terra e o céu começam, ela encontra um navio e apaixona-se pelo jovem príncipe que nele viaja. Uma tempestade aproxima-se e a embarcação naufraga e, ao ver o seu amado a afogar-se, a sereia salva-o e leva-o para uma praia onde ele recupera os sentidos, mas o jovem nunca chega a conhecer a sua salvadora nem a saber do amor que ela nutre por ele. Depois de descobrir onde mora o príncipe, a sereia sobe todas as noites à superfície para o ver e para saber dele, sem nunca se aproximar. Peixes tem mais facilidade em envolver-se com a fantasia do amor do que com a outra pessoa propriamente dita. O amor idealizado, por ser intangível e intocável, é sempre mais perfeito do que a realidade, que tem os defeitos e as imperfeições inerentes à nossa natureza humana.

 Imagem A Sereiazinha, por Sulamith Wülfing (1953)
Ao conversar com a avó, a Sereiazinha fica a saber que, ao contrário das sereias, as pessoas têm alma, uma parte de si que nunca morre mesmo quando o seu corpo deixa de existir. Para ela ganhar uma alma seria necessário um humano amá-la tanto que quisesse unir a sua vida à dela. Peixes, Neptuno (o seu regente moderno), Júpiter (regente tradicional) e a casa 12 são no nosso mapa natal pontes para esta outra dimensão de nós mesmos, uma dimensão onde nos tornarmos unos com tudo o que existe e assim nos transcendemos. Esta é a energia do amor universal, o amor que tudo acolhe e que tudo aceita. A nossa jovem anseia por ter essa alma eterna, que tudo transcende, e para a conseguir vai fazer com que o príncipe se apaixone por ela, mas para isso precisa trocar a sua cauda de peixe por duas pernas.

A pequena sereia vai então pedir ajuda à velha bruxa do mar, que mora na zona mais profunda e desconhecida do fundo do oceano, aonde a Sereiazinha nunca tinha ido antes. Quando chega, a bruxa anuncia-lhe que sabe ao que a jovem vem e avisa-a que não é uma boa ideia, pois vai dar mau resultado. A velha bruxa recolhe a informação a um nível subtil e não precisa que os acontecimentos se materializem para sentir qual a energia que lhes está implícita. Pessoas com Mercúrio em Peixes, na casa 12 ou ligado a Neptuno têm a capacidade, consciente ou não, de captar este tipo de informação tão ténue e subtil, que não é perceptível para o comum dos mortais.

Em troca das pernas, a Sereiazinha dá à bruxa do mar a sua linda voz. Em todas as mitologias o canto da sereia é famoso por ser de uma beleza extrema, tão belo que nenhuma voz humana se lhe pode comparar, mas o canto desta sereia é o mais bonito de todas as sereias. Pela sua sensibilidade invulgar, Peixes está ligado a todas as artes, em especial à música e à dança. Ao entregar a sua voz à feiticeira, a pequena sereia abdica do maior dos seus encantos. Para alcançar a sua alma eterna, ela tem de se tornar humana e tornar-se humana é tornar-se imperfeita, mas é precisamente este o caminho para a transcendência. Apenas porque somos imperfeitos almejamos a perfeição e ao trabalharmos no nosso aperfeiçoamento, todos os dias, como se fossemos aprendizes do ofício de ser humanos temos a oportunidade de nos transcendermos. Neste aperfeiçoamento contínuo encontramos a energia de Virgem, que se opõe à de Peixes e a complementa.

A velha bruxa adverte a sereiazinha que a transformação será dolorosa, como se “uma espada de dois gumes lhe atravessasse o delicado corpo”, e depois, ao andar, sentirá cada passo como se pisasse pontas de facas. A transformação da Sereiazinha em pessoa não é feita sem dor e sofrimento e é nos pés que ela vai sentir essa agonia, pois é  parte do corpo regida por Peixes. Com a sua extrema sensibilidade, Peixes tem tendência a sentir todas as dores do mundo e em chamar para si sofrimentos que não lhe pertencem. Aliada à sua passividade, esta característica pode tornar a sua existência nesta realidade limitada pela matéria demasiado difícil, ao ponto de se achar vítima de tudo o que lhe acontece, justa ou injustamente.

PictureA Sereiazinha, por Sulamith Wülfing (1953)
Finalmente a pequena sereia encontra o príncipe que, seduzido pela graciosidade da sua dança, o talento que lhe resta para expressar a sua sensibilidade, desenvolve pela jovem uma grande afeição. Mas como ela não fala – Peixes é na tradição medieval um signo mudo, como os outros signos de Água – ele nunca a vê verdadeiramente como uma mulher individualizada e gosta dela como se de uma mascote se tratasse. Ela aceita este amor insuficiente e desequilibrado, tão típico de uma Vénus em Peixes ou ligada a Neptuno, e tudo acolhe e tudo perdoa. Mas a sua passividade, simbolizada pela sua mudez, impede-a de passar à acção e de fazer acontecer uma relação, que, de qualquer forma, é sempre mais bonita e perfeita na sua imaginação.

Um dia o príncipe reencontra a princesa que ele acredita ser a sua salvadora no dia do naufrágio e que nunca tinha esquecido, e declara logo o seu desejo de se casar com ela. Com esta decisão do seu amado, a esperança da Sereiazinha desfaz-se, a aurora do dia do casamento do príncipe com outra mulher transformá-la-á em espuma do mar e ela nunca mais poderá ter uma alma imortal. Mas as irmãs sereias vêm em seu auxílio e trazem-lhe uma faca que a bruxa lhes dera em troca dos seus lindos cabelos. A jovem só precisa cravar a faca no coração do príncipe e as suas duas pernas voltarão a ser uma só cauda de peixe coberta de escamas prateadas. Peixes é o signo com maior capacidade de renúncia e de entrega e, mesmo depois de ver o homem por quem sacrificou a sua voz e a sua vida junto das irmãs no fundo mar escolher outra mulher, a Sereiazinha faz o derradeiro sacrifício e atira-se para o mar para se diluir na espuma das ondas, dando uma última prova do seu amor incondicional. No entanto, em vez de se dissolver, ela viu-se no meio de criaturas etéreas, as filhas do ar. Enquanto sereia o seu futuro eterno dependia do amor de outra pessoa, mas como filha do ar pode ganhar a sua alma imortal através de boas acções.

Por muito paradoxal que nos pareça (mas afinal este é um signo mutável), a ligação de Peixes com o outro lado da existência é feita através da encarnação, das escolhas que todos os dias fazemos apenas porque nos encontramos deste lado, onde existe dualidade, matéria e imperfeição. Evitar estas questões não nos aproxima do divino, apenas nos torna passivos, dependentes e vítimas. A transcendência é alcançada sempre que lidamos com temas que nos são difíceis e ainda assim escolhemos não fugir, não voltar para trás, mas enchemos o peito de Amor e seguimos em frente, em direcção ao centro de tudo, que está no centro de cada um de nós.


"A Sereiazinha", de Hans Christian Andersen
Ler o conto



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