![]() O medo separa-me dos outros. Quando cedo ao medo, sinto que preciso de me proteger, de me defender ou, por vezes, de atacar. Quando cedo ao medo, fecho todas as partes que não gosto em mim e acredito que elas ficam presas num armário, que ninguém as vai ver e eu vou poder mostrar só as outras, as que admiro e aprendi a exibir - mas metade de mim ficou fechada. Quando cedo ao medo, sou uma versão menor de mim mesma. No entanto, o medo é necessário, ele mantém-nos vivos. Sem medo nós atravessaríamos uma estrada cheia de carros acreditando que nada nos aconteceria, por exemplo. O medo é um estado de alerta que dispara perante uma ameaça e nos prepara para a sobrevivência. Só que a maior parte das ameaças que percepcionamos não são reais, são apenas memórias das vezes que, enquanto bebés, sentimos que a mãe nos abandonou ou se tornou, ela própria, uma ameaça. Isto é inevitável, as mães são pessoas, têm as suas próprias necessidades e não conseguem ser colo o tempo todo, mas a natureza do bebé é receber e, quando isto não acontece, ele desenvolve estratégias para chamar a atenção da mãe e para a manter por perto. O bebé rapidamente aprende quais são os comportamentos que lhe garantem a sobrevivência e quais os que o põem em risco, quais são as personagens que ele pode assumir e quais as que precisa de esconder. Quando crescemos continuamos a querer receber e sentimo-nos ameaçados quando isso não acontece. Mas quando crescemos somos seres já completamente desenvolvidos, autónomos e independentes e o nosso papel deixa de ser o de “passivo receptor de cuidado” para passar a ser o de “activo cuidador de si próprio”. Entretanto, esquecemo-nos daquela gente toda que escondemos no armário… Existem no dia-a-dia ameaças reais à minha integridade física e, desde que seja mesmo possível fazer alguma coisa para me proteger, o medo é-me útil. Mas, hoje em dia, a maior parte das vezes em que eu sinto medo, a ameaça é apenas uma memória de abandono ou rejeição, uma história que já não existe. Então, o desafio é aprender a ir para lá deste medo, que me deixa sozinha, isolada e separada, e saber seguir em frente, descobrindo novas paisagens dentro de mim. O desafio é ultrapassar os papéis limitados que aprendi a viver e assumir todos os monstros que escondi no armário. Quando estendo a minha confiança a novos territórios, a zonas de insegurança e até de pânico, quando me permito caminhar através do medo, percebo que afinal os demónios que eu me esforcei durante tanto tempo por esconder e negar são os meus melhores amigos. Quando não cedo ao medo e me atrevo a passar para o outro lado dele, aceito todas as minhas personagens, as lindas e as feias, as más e as boas, as fortes e as fracas. Quando ultrapasso o medo, torno-me mais completa e transparente e a separação, o abandono e a rejeição dos outros deixam de fazer sentido porque eu já não sou separada de mim própria.
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