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Nos últimos dias, talvez semanas, as consultas têm ido quase todas no mesmo sentido, a necessidade de reconhecer a fragilidade e o cansaço. Numa sociedade que só nos valoriza se estivermos a produzir, é difícil darmo-nos permissão para desligar, para descansar e para nos restabelecermos dos embates inevitáveis da vida. E no entanto, estamos de ressaca e de luto. De ressaca de dois anos de pandemia que nos virou as vidas do avesso e que nos trouxe uma experiência nova de incerteza e de impotência. E de luto da vida antes de 2020 que não volta mais. Mas não podemos parar e continuamos a puxar por nós até ao limite das nossas forças, e às vezes para lá disso. Não é por acaso que se começa a valorizar tanto a saúde mental e é bom que isso aconteça. A produtividade não é sustentável se for à custa do nosso bem-estar físico ou mental. Se, para alcançar essa produtividade, tivermos que comprometer as nossas necessidades de descanso, de alimento ou de segurança. Em cima desta noção falsa e deturpada de produtividade, alimentámos uma sociedade abusadora, que valoriza a prepotência e que premeia quem já se encontra em posição de vantagem. Pelo caminho que nos levaria em direção ao suposto sucesso ficavam as pessoas que, por conta da sua vulnerabilidade e da falta de resposta social, não eram tão produtivas, tão rápidas ou tão disponíveis. E aqui estamos nós, depois de dois anos de pandemia. Depois de dois anos de insegurança e hiper-atenção, depois de dois anos permanentemente alerta e à procura de novas soluções para problemas com os quais nunca tínhamos lidado antes. Aqui estamos nós, frágeis e com o cansaço à flor da pele, mas a achar que, porque agora já nos livrámos das máscaras, somos as mesmas pessoas de 2019. A achar que conseguimos continuar a correr, que precisamos de ser activos e que, se não produzirmos a nossa parte, não estamos a cumprir a nossa existência. Com o tempo tenho aprendido a valorizar a fragilidade, a vulnerabilidade e o descanso. São temas que surgem muitas vezes em consulta, mas quase sempre embrulhados em culpa e em frustração. Mas o descanso, assim como a escuridão e o silêncio, são essenciais. Há uma parte importante da vida que acontece aí. É aqui que nos regulamos, que nos reequilibramos e que restauramos a nossa vitalidade. Digo-te o que tenho dito em consulta, o que tenho dito a algumas pessoas próximas e o que disse a mim própria há poucos meses: Essa fragilidade que estás a sentir, que diminui a tua tolerância e encolhe os teus limites, não se vai embora se a ignorares e nem é uma fatalidade que te vai ficar colada para todo o sempre. É só um sinal de que te estás a forçar para lá das tuas capacidades e precisas de parar. Eu sei que a vida continua lá fora, que há expectativas e obrigações que não podemos ignorar, mas o que te quero dizer é, Lembra-te de descansar. Era só isto.
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Maio 2024
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